Gostaria de escrever hoje sobre um
assunto pertinente à vida de todos nós: a
representação dos mais diversos
personagens em nossas vidas.
Nossa vida aqui na terra é um grande
teatro. Viemos à ela sem conhecermos
quem seriam nossos personagens e que
estória iriam eles desempenhar.
Com o passar do tempo, vamos nos dando
conta de que fazemos parte de um
grupo social que vai aos poucos
ensinando-nos quem são os personagens que
viveremos e que estória devem
desenrolar em suas vidas para que sejam
eticamente aceitos e tenham um típico
"final feliz".
Antes de nos envolvermos diretamente
com a sociedade e nos darmos contas de
todos os papéis que deveremos
representar, envolvemo-nos plenamente com cada
evento que vai acontecendo. Vamos
descobrindo aos poucos o mundo exterior e
tudo parece muito fascinante. Não
temos passado, nem sabemos que possa
existir um futuro e vamos nos
envolvendo com cada momento do presente
imediato como realmente a única coisa
que existe, um envolvimento pleno que
nos torna imersos numa ingenuidade e
confianças totalmente entregues à algo
maior, o qual também desconhecemos.
Nosso ingresso no mundo social parece
uma perfeita maravilha. Vamos
tornando-nos independente de nossos
pais, irmãos, professores e essa
independência parece uma
libertação. Logo teremos carta, dirigiremos um
carro, teremos ingresso livre em
programas para maiores de 18 anos.
Infelizmente não nos damos conta de
que com o passar do tempo, com a chegada
da ilusão da pretensa liberdade,
todos os nossos papéis estão ali, para que
comecemos a representar e dá-se
início ao teatro, à peça que representa
eventos de nossa vida.
Começamos a estudar nossos papéis e
à familiarizarmo-nos com os mesmos. Em
determinadas situações, vivemos com
tanta intensidade e envolvimento com
estes papéis que passamos a
encará-los como reais e não como uma
representação. Este aspecto gera uma
grande ilusão que torna muito difícil o
acesso e necessidade de busca interna
de cada um, de quem realmente somos.
Estudamos e nosso saber cresce.
Aumentamos nosso poder, que também cria
outros personagens e transforma esta
ilusão em um poderoso instrumento para
enfrentar o mundo externo.
Com o passar do tempo e com o decorrer
da vida, muito do saber que
necessitamos já está incorporado à
nós e então, nesta fase, faz-se
necessário e muito mais emergente do
que o saber, o "descobrir".
Precisamos descobrir quem somos e a
quem viemos neste mundo, pois até então,
somente nossos personagens, tomaram
conta de nós em tempo integral, até que
um dia, chega até nós o já tão
comentado processo de individuação de Jung,
que nada mais é do que um processo de
amadurecimento pessoal que implica no
descobrimento de quem geralmente somos
e o que realmente nossas almas
almejam nesta vida.
Chegou o momento: temos agora é que
descobrir nossa verdadeira missão,
aquela que nossas almas almejam de
longas datas e que toda uma estrutura
social, condicionamentos e egos, nos
impedem de enxergar.
Quando este momento chega, mudanças
ocorrem dentro e fora de nós. Há pessoas
que largam tudo, até mesmo aquele
emprego tão bem remunerado, para
simplesmente pintar ou fazer algo que
seu ser almeje, tendo apenas o mínimo
necessário para sua sobrevivência.
Esse é um ato de coragem, visto por
nós, mas é um ato de continuidade
fluente de alguém que fez uma real
tomada de consciência de sua missão nesta
vida.
A exposição de alguns egos ignora a
presença de um ego maior, que é o
orgulho.
É incrível, como muitas vezes certos
personagens moram dentro de nós há
tanto tempo, que muitas vezes acabamos
confundindo-os com parte mesmo de
nossa própria essência.
Não é um trabalho simples enferentar
a individuação e o pior ou melhor de
tudo é que ela só acontece quando
estamos nos comunicando de forma íntima,
sem muros e olhando para nossos
próprios personagens dando-lhes a verdadeira
natureza a que lhes competem: a de
representar.
Vamos constatando aos pouco que nossa
vida é um grande teatro, mas esses
personagens todos são uma mera
representação que muitas vezes nada tem a ver
com o verdadeiro artista.
Nada, nenhuma situação vivida por
estes personagens nos acompanhará no além
túmulo. Ficará sim, por toda
eternidade conosco todo o ganho de consciência
que tivemos em relação à cada
personagem vivido.
A desmistificação de cada um leva à
uma tomada de consciência maior: aquela
que, se tirarmos todos os nossos
personagens nesta vida, o que realmente
sobrará.
O que sobrará de todos nós se
extinguirmos todos estes personagens que vivem
em nós hoje?
Sabe o que é muito bom e também
muito difícil constatar em mim hoje em dia?
Que nem mesmo gosto de alguns
personagens que vivo; outros, simplesmente
aceito, alguns simplesmente complicam
coisas simples e ainda outros mais
apenas me divertem. É realmente
hilário constatar que alguns mudaram até o
penteado, a forma de se comportar e a
entonação da voz.
Mas, quando mergulho dentro de mim
verdadeiramente e sou capaz de olhar como
expectadora para todas estas figuras,
sinto uma fusão, um calor, um
aconchego que não se compara à nada.
É como poder retornar ao lar. Neste
momento descubro que gosto mais de mim
mesma sem todas estas mascaras que os
personagens me obrigam a colocar. Há
mais amor por mim e mais compaixão. Há
um tom a mais de verdade vivenciada.
Talvez, não nos livremos destes
personagens nesta vida, porque estamos mais
entrelaçados com eles do que na
realidade supomos. Muitas vezes somos,
incorporamo-nos neles e agimos como se
fossem reais e isso nos trás até um
certo conforto por alimentar essa
cegueira.
Vivendo um ou diversos personagens,
não temos que questionar, nem viajar
para dentro de nós mesmos nem para
dentro do outro.
Esse tipo de busca interna consome
muita energia e muitas vezes nos
encontramos como quem caminha pelas
areias de um deserto morrendo de sede
sem a esperança de encontrar água.
Já sabemos o script, já sabemos como
ele(ela) devem se comportar em
determinadas situações; é muito
tranqüilo pois o personagem é alguém muito
conhecido, alguém que foi fabricado e
tem até certificado de garantia.
Talvez seja por isso muito complicado
nos desvencilharmos dessas figuras que
muitas vezes parecem tanto agir a
nosso favor: nos elevam socialmente, faz
com que andemos corretamente para a
igreja, para nossa família, etc.
Se somos tão "bonitinhos",
"engomadinhos" com nossos personagens, para
que
questionar se a existência deles é
mesmo real?
Não é melhor e mais fácil deixar
que eles vivam por nós?
Certamente seremos muito mais
aprovados e aceitos.
Ladis (Pietra)
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